Fabrício Soares, ou simplesmente FBC, é um dos principais nomes do rap nacional. O mineiro de 32 anos surgiu na cena através das populares batalhas de rima de Belo Horizonte e, a partir daí, passou a integrar o DV Tribo, extinto grupo que era formado por outros grandes nomes do hip hop brasileiro, como Djonga e Clara Lima. Desde muito novo, o rapper se identifica com a música, mas para a surpresa de muitos, FBC começou no rock.
“Sempre ouvi muita música por conta dos meus parentes, principalmente pelo meu pai e meus tios. Um dos meus tios colecionava discos de vinil, e até hoje ele tem todos os LPs dos Beatles. Então, meu primeiro contato foi tocando bateria, pois acabei me envolvendo com alguns primos que tinham uma bandinha de hardcore em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Eu tinha uns 11 ou 12 anos de idade”, declara FBC.
O artista, no entanto, era eclético. Sempre gostou de rap e funk, e conta que se apaixonou pela cultura do hip hop quando ouviu um álbum do memorável Sabotage.
“Nós já ouvíamos rap e funk por lá. Sempre ouvimos de tudo. Eu sempre fui mais pra esse lado da arte, sabe? Por conta de gostar mesmo de música e querer conhecer as coisas. Foi aí que tive vontade de fazer rap, através do álbum “Rap É Compromisso!”, do Sabotage.”
“O rap me salvou”
Em um de seus versos da música “Gelo“, que também conta com Djonga e NGC Borges, FBC afirma que “ninguém chega ao sucesso tendo dó de si mesmo”. O músico é a prova viva disso, e para chegar onde está, precisou fazer muito esforço. Antes de estourar no rap, FBC já se envolveu com o crime, foi faxineiro e, por muito tempo, trabalhou como vendedor ambulante.
“Eu já fiz muita coisa. Na maioria do tempo, fui camelô. Também fui faxineiro na PUC, faxineiro num prédio residencial, varri ruas como gari aqui na Zona Oeste de Belo Horizonte, fui auxiliar de construção e até comecei a aprender a profissão de pedreiro, o que eles chamam de meia colher, quando o peão começa a aprender a profissão”, conta o rapper.
“Para sobreviver, já fiz de tudo. Vendi drogas, roubei. O rap me salvou disso aí. Mas posso te afirmar que sempre fui um cara trabalhador, cometi atos desesperados nos momentos de desespero. Na minha vida, sempre trabalhei, sempre tive exemplo dos meus familiares. Hoje eu vejo que talvez eu poderia ter feito outras coisas, mas na hora foi isso.”, finaliza.
Os ídolos de FBC
Da mesma maneira que qualquer um, FBC também possui ídolos. Por ser alguém com um gosto musical diverso, as pessoas que o inspiram são de gêneros distintos, e vão do rock nacional ao rap, passando inclusive por artistas internacionais.
“Sou muito fã do grupo Racionais, muito fã mesmo. Gosto de muitos que já morreram também, como o Chris Cornell, que era vocalista do Soundgarden. Por consequência, sou fã também da Audioslave. Tenho todos os CDs do Soundgarden, desde “Louder Than Love” até os últimos. Também sou muito fã de Cazuza e Novos Baianos. Da nova safra ouço muito Tuyo e Lamparina e a Primavera. Meu MC favorito da cena é o Don L.”
“As três pessoas que marcaram a minha vida são minha esposa, mãe dos meus filhos, e meus dois filhos. Não preciso explicar muito, são meu sangue. É por eles que eu faço isso tudo.”
A improvável ligação entre o rapper e o Free Fire
Assim como muitos, o artista também é um gamer nas horas vagas. Como ele mesmo afirma, seu jogo preferido é o Free Fire. Num contato improvável e despretensioso, FBC se apaixonou pelo battle royale da Garena, e passou a defendê-lo com unhas e dentes nas redes sociais.
“Um dia, em 2019, se não me engano, o Samuel [filho de FBC] baixou o Free Fire no meu celular, porque estava sem o dele na época. O jogo ficou lá, e num dia que meu avião atrasou e eu estava sem nada pra fazer, ia ficar umas 4 ou 5 horas parado, resolvi entrar no game. Gostei e nunca mais parei. Depois veio o primeiro gift card, e agora estou aqui. Influenciador”, conta FBC.
Todavia, FBC acabou não tendo tanto contato com os jogos durante sua vida. Marginalizado desde criança, o rapper não tinha tempo para os games. Hoje, o músico acaba não saindo do Free Fire pois, além de não possuir um computador para isso, também não possui tempo e disposição para se dedicar a horas na frente de uma tela. No futuro, o artista diz que talvez se arrisque em alguns outros títulos, como o GTA RP, que vem crescendo de popularidade.
“Eu não jogava, o jogo que mais joguei de computador foi SimCity. Eu gostava muito de jogar SimCity, chegava do serviço e ficava lá até dar a hora de dormir. Hoje em dia, não tenho um computador, e o dinheiro que pego agora estou investindo na construção da minha casa. Num futuro acredito que vou estar sim no GTA RP, é só o começo. Acho que vai ser o jogo mais jogado nos computadores, ainda vai crescer muito. Vejo nas lives do Arcanjo e é muito louco. O problema é que vai muito tempo, prefiro jogos com partidas mais funcionais, de 15 minutos. Não consigo esperar mais de 10 minutos para jogar uma partida. Não tenho esse tempo.”
FBC como influenciador de Free Fire
FBC conta que foi escolhido para ser influenciador justamente por seu amor ao jogo. O rapper sempre usou de sua fama para defender o battle royale das críticas. Fez tanto isso que foi notado por Ike, ex-LOUD e atual coach da FURIA, que já conhecia seu trabalho.
“Eu ficava defendendo o Free Fire na internet. Um dia, o Ike, coach da LOUD, que já me acompanhava e era meu fã de muito tempo, desde a época das batalhas, me indicou para o Caio Mello. Ele mostrou que eu defendia no Twitter a ideia de que o Free Fire agrega para a galera das favelas, das margens, que o jogo cria uma inclusão digital para essas pessoas.”
Durante esse processo para se tornar influenciador do Free Fire, FBC conheceu muita gente e fez alguns amigos. Todavia, possui mais intimidade com apenas dois.
“Eu conheço uma boa galera, mas tenho mais intimidade com o meu mano Memgod [jogador profissional da FURIA] e com o Sheik [influenciador]. Troco muita ideia com o Sheik. O pessoal todo me conhece, mas esses dois são os mais próximos de mim.”, afirma o mineiro.
A música e o Free Fire como meio para o amadurecimento
A música sempre permitiu que a ascensão social e pessoal acontecesse. Como dito pelo próprio FBC, o rap o salvou de diversas coisas. E a popularização dos e-Sports tem, cada vez mais, permitido que ainda mais vidas sejam influenciadas positivamente. Sendo assim, o rapper acredita que o Free Fire e a música caminham lado a lado como forma de melhoria para os favelados. Melhoria essa que não é só financeira, também é humana.
“A evolução não é só em termos de dinheiro, também acontece na mentalidade da galera. Isso pôde ser visto nos ocorridos do mês passado. Quando o Buxexa [youtuber de Free Fire] foi transfóbico, o debate ficou em alta. Esse discurso é novo para muita gente, e estar levando isso para a garotada que não é de grandes centros, que não tem tanto acesso a informação, é muito bom. Eles entenderam o que é transfobia, que isso pode soar mal para outras pessoas, ferir gente que já está tão machucada pela perseguição, pelo preconceito, pela discriminação”, argumenta FBC.
“As comunidades dos jogos são bem tóxicas. Não sei exatamente o motivo disso. Pode ser pela baixa faixa etária ou pelo ambiente da internet, que propicia as pessoas a falarem o que elas realmente pensam sem um controle. Mas hoje a sociedade já não aceita mais essas práticas, essas falas, e isso faz com que a galerinha vá entendendo e se refinando. Eles pegam esses exemplos e vão repassando para a comunidade.”
“Isso também ajuda os pequenos streamers, que vão entendendo e crescendo profissionalmente e pessoalmente. O cara sonha em ser um grande streamer de uma grande guilda, e vai vendo o caminho para isso. Mesmo enquanto pequeno, ele consegue tirar 50, 100 dólares, e sabe que para evoluir precisa ter uma conduta, precisa respeitar as minorias. O jogo cumpre muito bem esse papel social. O Free Fire está nas comunidades e está com as pessoas menos favorecidas. A garotada procura saber o que está acontecendo por meio dos influencers. Elas seguem o Nobru no Instagram, seguem o Cerol no Twitter”, conclui FBC.
O papel dos influencers
“O Nobru tem história. O cara mostra de onde ele veio, as pessoas sabem de onde ele veio. Ele é reconhecido, as pessoas veem nele uma referência. Para mim, ele é o maior exemplo dessa inclusão e da ascensão econômica através dos e-Sports. O moleque tem 11 milhões de seguidores no Instagram, acho que 11 milhões de inscritos no YouTube. Não é reconhecido só na nossa região, é reconhecido mundialmente, em todas as regiões que jogam Free Fire. Com certeza é o nosso maior nome”, respondeu FBC quando questionado sobre Nobru.
A popularidade do Free Fire
Não é nenhum segredo que o Free Fire é extremamente popular e acessível. Por isso, é um dos principais e-Sports no Brasil. A acessibilidade é o que torna o jogo tão conhecido. Segundo FBC, o battle royale diferencia-se de outros esportes eletrônicos, como o League of Legends, não só por esse motivo, mas também pela disponibilidade de tempo.
“O Free Fire é um jogo que pode ser jogado com a galera de verdade. Você pode pegar o seu celular e jogar na casa de fulano, enquanto que você não pode pegar seu computador e ir para a casa de um amigo. Não tem como 5 pessoas se encontrarem para jogar LoL. Como que a pessoa vai ficar andando com um computador, que geralmente é caro, para jogar?”
“O Free Fire cria essa interação. As pessoas vão para a porta da casa dos outros para jogar. E outra, quem tem tempo para ficar na frente de um computador por horas? Quais pessoas daqui de dentro da comunidade tem um computador pra jogar esses jogos? O Free Fire roda em qualquer celular, do J7 ao iPhone. A portabilidade é a chave, é o segredo do sucesso. As pessoas baixam em qualquer celular, jogam em qualquer lugar. Não precisa ser um jogo sinistro, não precisa ter gráficos incríveis. Não é console, não é PC. É mobile, é um celular. Essa é a proposta, e pra mim serve muito bem. Posso jogar no Uber indo pro aeroporto, no aeroporto, no hotel. E tudo isso ao mesmo tempo que abro as abas do meu celular, navego no Instagram, navego no Twitter. Pra mim está ótimo”, conclui FBC.
Arcanjo e a Original GE
O influenciador Arcanjo é um bom exemplo de alguém que teve sua vida transformada pelo Free Fire. Djonga e FBC o conheceram durante uma partida e acreditaram no seu potencial, investindo no garoto para permitir que ele realizasse lives. Na época, Djonga declarou em seu Instagram que conheceu “um irmão, batalhador, sofredor, trabalhador desde sempre, enquanto jogava Free Fire. Tem uma história muito louca. Contratei ele pro meu time, mandei uns equipamentos e ele vai ser o cara. A mãe dele ficou brava, mas no futuro vai ver o progresso.” Durante a entrevista, FBC também contou um pouco da história.
“Conheci o Arcanjo aleatoriamente. Caímos juntos numa partida, fomos conversando e acabamos virando amigos. Eu acredito muito nele, na capacidade dele, na inteligência dele. Hoje ele joga GTA RP no servidor da Cidade Alta. Ele representa a inclusão. É uma pessoa que mora em Arapongas, interior do Paraná, e não tinha perspectiva nenhuma de viver de e-Sports e hoje vive, através da Original GE. Está crescendo cada vez mais. O Arcanjo tá colando com o pessoal da LOUD, jogando GTA RP. Tem muita coisa para acontecer, ainda não posso revelar para não quebrar os contratos”, conta o artista.
A Original GE, citada por FBC durante a entrevista, é um projeto do rapper em conjunto de Djonga e Iza Sabino, ambos da cena do hip hop.
“É isso que a Original GE veio para fazer, tirar a galera que está às margens, sem acesso. Nós viemos para dar essa oportunidade para a galera. Atualmente estamos ajudando o pessoal da favela, dando por exemplo os códigos de Calça Angelical [item do Free Fire], que para eles representa status. Para esses meninos, é incrível estar numa guilda onde o líder tem o banner angelical [item do Free Fire]. Em contrapartida, peço que eles estudem, tirem boas notas. As mães e os pais estão sempre aqui falando se estão indo bem na escola, se estão respeitando. Ainda são poucos garotos, uns 10, mas é o que nossos braços conseguem abraçar”, revela FBC.
O novo público do rapper
Desde que chegou ao Free Fire, FBC recebeu um público diferente do que já tinha. Por isso, o rapper conta que precisou mudar um pouco o seu conteúdo, adequando-o para os recém-chegados que, geralmente, são bem mais jovens. Em relação à aceitação, o artista diz que não passou por nenhum problema, nem com os fãs antigos, nem com os novos.
“A galerinha é bem nova, e meu tipo de conteúdo era para maiores de 18. Eu criei essa consciência vendo meu filho jogar. Os moleques atrás de códiguin são insistentes, vão atrás até do Instagram da sua vizinha para pedir. No começo, isso me incomodava porque eu tentava divulgar meus trampos e tudo era códiguin. Mas eu me acostumei, vi meu filho pedindo e pensei que os outros eram filhos de outras pessoas. São crianças do outro lado da tela, assim como meu filho. É bonito eu tentar fazer diferença na vida deles, e é isso que eu tento, tratar todos sempre bem. Precisei me adaptar com esse público que me descobriu, e vou precisar me adaptar com os muitos que ainda vão me descobrir”, declara.
Por ser músico, FBC já realizou trabalhos com a Garena para o lançamento de hits. O principal exemplo disso é “Capa e Tchau“, som lançado em 2020 e que já conta com 33 milhões de visualizações. O rapper mineiro foi o responsável pela letra e produção musical. Diferentemente do que aconteceu com Mano Brown, no entanto, seu público mais antigo aceitou bem este trabalho de FBC, como ele mesmo conta.
“Para mim, isso foi super tranquilo. O meu público das antigas só quer me ver prosperando e avançando. Para eles é o máximo eu ser contratado por uma empresa multinacional para escrever uma música que foi cantada por influencers tão grandes. Se juntar todos ali, dá mais de 25 milhões de seguidores, é muita gente. O estranhamento pode vir de um público mais recente, que veio do E.P “Outro Rolê” ou de “Best Duo”, eles podem achar diferente ver o FBC cantando um rap de Free Fire junto com o Nobru.”
“Eles vão falar do Mano Brown independente do que ele faça. É isso mesmo, as pessoas falam. Não tem o que fazer.” completa FBC.
O novo álbum de FBC
Em setembro, FBC lançará “BAILE, UMA ÓPERA EM MIAMI”, seu quarto álbum. Muito se especula sobre a novidade do artista e, com exclusividade, ele revelou o que espera para o lançamento, o que pensou na elaboração das músicas e contou como crê que o novo público o ajudará. O álbum, que o próprio artista define como o seu melhor trabalho, está previsto para o dia 09/09.
Dia 16/09 eu lanço meu melhor álbum
BAILE, UMA ÓPERA MIAMI
— 09/09 BAILE UMA ÓPERA MIAMI (@fbctadoido) July 2, 2021
“Acho que se eu me movimentar, faço acontecer. A proposta é essa. Eu quero trabalhar com o público todos os dias, convencendo outras pessoas a vir com a gente. Esse é o mais legal, angariar gente nova. Eu falo que é o meu melhor álbum porque é diferente. Eu consegui fazer tudo que eu queria do começo ao fim. Os outros álbuns muitas vezes eram um desabafo, ou uma crônica de algumas coisas que estavam acontecendo na minha vida”, revela FBC.
“No álbum BAILE, eu criei uma narrativa que não tem nada a ver comigo, eu criei uma história. É um cara que conhece uma mina dançando num baile de comunidade, e se apaixona por ela, ao passo que ela não quer nada, só gosta de dançar e da companhia dele. Nisso, a história vai se desenrolando na comunidade, que acaba de entrar em guerra. As pessoas se juntam para tentar restaurar a normalidade e formam a união da força e da fé. No álbum, pessoas do terreiro, da igreja e do crime se juntam contra a injustiça para resgatar a comunidade. Durante tudo isso, o personagem principal se move para se livrar do crime e conquistar o coração da menina. Vocês precisam ouvir pra saber, mas não que eu entregue tudo”, completa FBC.
Os conselhos de FBC
Em “Autoajuda“, música lançada por FBC em 2017, o rapper afirma num verso que “para cada game-over, haverá um try again.” Pensando nisso, o músico deixa um conselho para os que estão passando por um período difícil, onde só se enxergam game-overs.
“Para os que se movimentam, levantam todos os dias e vivem a vida, é mais fácil superar o que acontece de ruim. Fases difíceis são normais, consequências da vida. Só entende isso quem está no jogo, não se passa uma fase difícil sem jogar. A mensagem que eu deixo é: cuide de você, cuide do seu corpo, cuide da sua mente. Se alimente bem, cuide da sua pele, cuide do seu sono, priorize o seu descanso. Assim, você estará preparado para aguentar os socos da vida, ela ainda vai socar bastante. Faz parte do ciclo”, encerra FBC.